quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

[leituras] 1984




Título: 1984

Autor: George Orwell
Páginas: 326
Ano: 1949

Há anos, muitos muitos anos que ando atrás deste livro. Andar atrás é como quem diz, já o poderia ter lido antes mas acabei sempre por adiar, por achar que encontrava uma altura mais propícia, enfim, desculpas e mais desculpas e o tempo foi passando sem pegar neste 1984.

A curiosidade que tinha acerca deste livro era provavelmente a maior que já tive acerca de algum. Tudo o que ouvia e sabia sobre o livro me parecia fascinante, brilhante e com um potencial interminável de ser um dos melhores livros que já li.

Resoluções de ano novo nunca me souberam tão bem como este ano: puramente literárias e ter começado com este livro agora ainda me parece mais certo do que alguma vez imaginaria.

Mas bem: o livro! Logo desde o início que nos é apresentada uma realidade bem diferente da que conhecemos. O mundo é um sítio muito mais mortiço e sem vida onde os seres humanos que se encontram não agem como tal, são meros bonecos completamente controlados ao longo das suas vidas. Mais que não seja o exemplo mais flagrante é que não existe, quase de forma completa, a noção de privacidade. Em qualquer sítio onde uma pessoa passa existem telescreens que vigiam tudo. Se não os houver há escutas, espalhadas e plantadas onde menos se poderá esperar. Nada pode ser feito ou dito sem que seja observado.

E por muito estranho que seja escrever isto essa parte nem foi das que me fez mais comichões no Tico e no Teco. Este é um livro estupidamente rico e que transmite com bastante força a ideia daquele mundo mas há determinadas coisas que no meu pequeno cérebro são demasiado grandes para serem concebidas.

Uma das coisas que quando li fiquei completamente parva a reler umas poucas de vezes a ver se tinha percebido bem foi a história da História. Basicamente a História foi abolida. Como? Sendo apagada e reescrita de acordo com o que se passou a seguir. Não é concebível que se sabemos que a Terra é redonda haja livros que digam o contrário. Esses livros serão apagados e reescritos de acordo com os novos desenvolvimentos. Se amanhã se descobrir que afinal é piramidal depois de amanhã já ninguém sabe que "foi" redonda. Para todos os efeitos, em todos os registos possíveis e imaginários a Terra sempre foi piramidal e ninguém poderá dizer o contrário.

A História deixa assim de existir, não há registos do passado, são constantemente renovados. O nó mental que isto me dá é indescritível e nem vou tentar dizer mais nada. É uma realidade e um conceito que me assusta até à medula.

Mas andamos a ver o que um homem que pensa - um mal horrível, punível por lei - e que começa a ver que as coisas à volta dele se passam de maneira errada. O povo, os que são considerados como os restos, os que estão à parte da civilização são afinal os que conservam a sua condição natural, os que mantém parte da sua liberdade e da sua capacidade de ser humano. A tentativa de encontrar alguém como ele, com todos os perigos que isso acarretaria, o finalmente conseguir e as voltas que são dadas para que se consiga manter é uma coisa que me pareceu estranha e ao mesmo tempo interessante. Temos uma liberdade muito completa na nossa vida, coisas que nos são livres de escolher e que são tão banais que nem as consideramos como parte da liberdade que apregoamos ter. Ali não há nada, nenhuma parte é livre, Big Brother is always whatching you!

Olhando para trás e pensando no que li é fácil de dizer que a escrita é muito boa, simples mas bonita, sem grandes floreados ou voltas estranhas, bastante corrente sem ser banal. A juntar a isso tem uma capacidade surpreendente, principalmente na terceira parte, de nos agarrar ao livro e não deixar largar. Dá vontade de saber o que mais pode ainda acontecer.

Eu consegui ser tão agarrada para dentro do livro que dei por mim a ter um momento em que literalmente saltei com o que tinha acabado de ler. Um momento pacato, calminho, onde estamos só a acompanhar uma conversa e de repente há mais uma voz que se ouve, que não devia estar lá e automaticamente sabemos que todos os planos que estivemos a acompanhar estavam furados. O cenário de calma e a maneira como nos descrevem tudo fazem com que sejamos mais uma parte daquela conversa, sabemos o que se passa, os riscos, os prós e contras e de um instante para o outro, com uma simplicidade tremenda o mundo desaba, para eles e para nós.

Há poucos livros que me tenham dado uma perspectiva tão completa e interior de uma situação semelhante. A única coisa que posso dizer é que é um livro fascinante, uma obra brilhante que merece todo o crédito que lhe dão. Se dúvidas havia, dúvidas deixou de haver. Um dos melhores livros que já li e que me fazem gostar tanto destes papeis sujos de tinta a que gostamos de chamar livros. 




2 comentários:

  1. Essa reescrita da História é das coisas mais maléficas feitas de forma mais subtil de sempre. Se a memória do Holocausto se perder, o que acontece? É complicado e muito poderoso...

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    1. Eu fiquei seriamente arrepiada com isso. As possibilidades que isto envolve assustam-me fortemente. Nem tens noção do nó mental que isto me deu só a pensar nisto. É mesmo muito muito perigoso!

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